
Uma boa oportunidade para conferir Bolívia para além de Evo Morales no telão do cinema. O documentário será exibido nesta quarta-feira (21), às 20h, na Sala Walter da Silveira, em Salvador, na programação da "Quartas Baianas". A entrada é gratuita.

As pinceladas em aquarela do artista plástico José Rodríguez Sánchez mostram o caminho por onde passa a revolução cultural instalada na Bolívia pelo movimento cocalero e diversos segmentos da sociedade que apóiam a ascensão do primeiro presidente de origem indígena da América Latina, Evo Morales. Um processo que deságua num governo de esquerda, contrariando setores mais ricos da sociedade, desacostumados com o distanciamento do poder. 

Lucas, Ricardo, Mateus, Vítor e Tássia [exatamente na ordem da foto].
*corrigido às 14h53 do dia 25/9
 Uma base de ferro puxada por um cabo de aço nos conduziu em um plano inclinado até o boca mina, local onde os trabalhadores ingressam no morro para procurar minério. Sob nossos pés, a segunda maior extração de estanho do mundo. Um panorama industrial e uma multidão de trabalhadores contrastam com a alta dose de precariedade no local. Chegamos para conhecer um dia de trabalho dos mineiros de Huanuni, primeira mina a ser nacionalizada pelo governo de Evo Morales.
 Um dos impasses na agenda de debate da Assembléia Constituinte refere-se à capital do País. Atualmente a sede dos poderes executivo e legislativo é La Paz, mas a capital constitucional da Bolívia é Sucre. A divisão foi feita em 1899 durante uma guerra civil entre os próprios bolivianos.Na parte sul da Bolívia está Sucre, sede da Suprema Corte de Justiça, uma cidade relativamente pequena com pouco mais de 230 mil habitantes. Considerada Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), Sucre também é conhecida como Cidade Branca devido aos diversos casarões coloniais de faixada clara.
As duas cidades encabeçam na Constituinte proposta de capitalidade plena, termo que significa reconhecer apenas uma das cidades como capital e sede dos três poderes. A questão é que nenhuma das duas quer sair de mãos vazias. O tema motiviou divisão entre os constituintes de La Paz e Chuquisaca, departamento qual Sucre é capital, até que no último dia 15 de agosto a direção da Constituinte, a pedido de representantes do MAS, aprovou a eliminação do debate sobre a capital. A medida teve o apoio de 134 dos 211 constituintes presentes no plenário.
Desde então todas as atividades da Comissão da Constituinte estão paralisadas. A situação voltaria ao normal hoje, mas as sessões voltaram a ser suspendidas devido a um confronto entre policiais e manifestantes.
Em meio as pressões políticas, o governador do departamento de Chuquicasa, David Sánchez (MAS)renunciou o cargo com o argumento que não gostaria de ser responsável pelo enfrentamento de manifestantes e a polícia especialmente no próximo dia 10 de setembro, dia em que está programado uma marcha campesina com mais de 100 mil pessoas. 

Em nossa passagem por Sucre [22 a 26 de agosto], encontramos mais de 600 pessoas em greve de fome, uma espécie de ação refratária à hipótese de perder a capitalidade. A foto ao lado foi tirada no Salão Vermelho de Honras da Prefeitura. No cartaz, "Sucre de pé, nunca de joelhos".
 Evo falou ainda da luta cocalera e de como os movimentos organizados se fortaleceram num processo de reação às políticas de neoliberiais dos governos anteriores. Falava do mal papel norte-americano enquanto relaxava os ombros e deixava os braços cairem no contorno lateral da cadeira. Reclamava do protocolo e da segurança que tinha que se submeter enquanto enfregava uma mão na outra e as guardava entre as pernas.
Apesar do cansaço aparente (enfrentou o maior Paro Cívico do país no dia anterior), em poucas ocasioes desviou os olhos dos meus. Visão firme, falava sem capas e sem esconderijo. Uma entrevista franca, mas sem palavras excessivas, cuidado natural de um chefe de estado acostumado a ser qualificado de "índio incompetente".
O tom intimista foi uma constante e a impressão mais forte é de que estávamos diante de um homem simples, real representante das classes populares: um homem do povo. Ele despreza as técnicas comunicativas utilizadas pela maioria dos habitantes do campo político e fala com naturalidade.
As suas origens de pastor de lhamas, quando criança, e de campesino cocalero, já adulto, não ficaram, ao menos aparentemente, do lado de fora do palácio presidencial. Numa tentativa definir sua própria representação nacional, ele emendou. “Os movimentos sociais são muito mais importantes que Evo Morales”. 


Depois de alguns papos, resolvemos entrevista-lo. A cidade coberta por uma nuvem de pó compunha o pano de fundo. Crianças brincavam num parquinho improvisado, cachorros dormiam quase mortos em processo de hibernação sob o sol forte, um tanque de água vazio formava o cenário e sobretudo o silêncio fazia o esquecimento ainda mais notável. Mas nosso salvador parecia nervoso, dizendo-se com medo de ser pinchado pelo caminho. Levou 5 minutos até entendermos que seu receio nao era de ter um pneu furado na calada da noite, mas ali mesmo, ao vivo, no meio da estrada. Taxistas revoltados com a quebra de decoro estenderam uma plancha enorme e cheia de pregos no meio da rodovia, obrigando-nos a encostar. O motorista desceu desenxabido para o tribunal.
Villa Tunari, no último domingo. Dessa vez encontramos o presidente sem a pompa do desfile militar em discurso carismático para cerca de 200 pessoas que vivem nessa pacata vila do Chapare, regiao onde nasceu o movimento cocalero, uma das bases que levou Evo Morales a presidência da Bolivia. O presidente assistiu duas partidas de futebol do campeonato universitário e oficializou a entrega de 53 tonelas de asfalto para a regiao. 
Falou sobre um acordo de cooperaçao com o Brasil para funcionamento de uma fábrica de papel e um outro acordo com médicos cubanos para implantaçao de um centro oftalmológico para os habitantes da regiao. 
Não se estendeu com assuntos políticos e fez questão de cumprimentar todos que vieram ao seu encontro. As mulheres que trabalham no mercado de Villa Tunari ofertaram como saudação de boas-vindas um enfeite feito com verduras, hortaliças e frutas.
 
 
 Faz três dias que estamos de volta a Cochabamba. Chegamos terça-feira de manhã após encarar oito horas de ônibus. São 480 quilômetros de distância e a estrada não é das melhores embora tenha pedágio no meio do caminho. Devido ao precário estado de conservação da rodovia e dos veículos que circulam por aqui, acidentes fatais são comuns. Há uma semana, dois ônibus bateram. Mais de 30 pessoas morreram. E na viagem de ida cruzamos de madrugada com uma carreta tombada. Há uma nova estrada sendo construída - El Sillar. 
 Política a parte, deixo aqui mais um registro: é complicado comer na Bolívia. Falo de falta de higiene. Muitas vezes, os alimentos são colocados a venda em recipientes sujos. Já tivemos o prazer de encontrar cabelo na comida mais de uma vez. É comum ver o vendedor pegar o troco do dinheiro com a mesma mão que corta a fruta do suco. Sem nem lavar, sem nem utilizar uma luva. Ou então poe o pesão em cima da bandeja de sanduiche depois sai para vender em plena partida de futebol como se nada tivesse acontecido. Sem falar que a base da comida típica bolivana é ovo, carne e pollo [frango]. Pollo caprichado em gordura para todos os lados. Isso quando não é dia de panza, uma espécie de bucho a milanesa, já citada aqui no blog pelo companheiro Sangiovanni.




 "Recebemos aqui nossos irmãos indigenas. Passamos muito tempo sem conhece-los. Agora lutamos juntos para manter a Bolivia unida e, assim, vamos construir um pais forte e desenvolvido". Evo Morales, em discurso durante o 182° aniversario das Forças Armadas bolivianas, uma marcha militar realizada no aeroporto Trompillo, em Santa Cruz, que, pela primeira vez, contou com participaçao dos povos indigenas de nove departamentos (estados) bolivianos.
Cerca de 62% da população boliviana é indígena, sendo a maioria de origem quechua e aymara. De acordo com a Comissão Economica para a América Latina (Cepal), 72% dos indígenas vivem em áreas rurais e tem dificuldade de acesso a água potável, além da falta de infra-estrutura para saneamento básico, fato que contribui para uma alta taxa de mortalidade infantil, sendo considerada a mais alta da América do Sul. De descendencia indigena direta, o próprio presidente perdeu seis irmãos ainda na infância. Uma das marcas do governo Morales é o investimento em melhorias para os indigenas, a começar pelo reconhecimento étnico-cultural dos povos originários da Bolívia.
"As três cores da bandeira boliviana representam a unificação dos povos que vivem nesse país. A presença das Forças Armadas e dos povos indigenas não é uma provocação a ninguém. É apenas para que todos sejam reconhecidos", garantiu Morales.

 Aji de fideo, um prato típico, uma espécie de sopa feita com macarrão com carne e batatas
Nosso café da manhã 