segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Em cartaz em Salvador


Uma boa oportunidade para conferir Bolívia para além de Evo Morales no telão do cinema. O documentário será exibido nesta quarta-feira (21), às 20h, na Sala Walter da Silveira, em Salvador, na programação da "Quartas Baianas". A entrada é gratuita.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

LANÇAMENTO 29 DE MAIO EM SALVADOR


Escolha a sua poltrona, a luz será apagada em instantes. Às 20h50, do dia 29 de maio, damos início a exibição do documentário Bolívia: para além de Evo Morales, na Sala de Arte do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM), em Salvador. Você, que por aqui esteve nos últimos meses acompanhando os bastidores do filme através deste blog, é nosso convidado de honra. Chegue cedo, leve um amigo ou alguém querido. Antes da projeção, às 20h, teremos um momento de confraternização com direito a brinde, petiscos e o autêntico samba-de-roda da Bahia, além do lançamento de livros. Programação do IV Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (Enecult), evento realizado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ali mesmo, no foyer do museu, sobre as pedras seculares do Solar do Unhão. Aguardamos a sua presença.


Serviço
Lançamento do filme "Bolívia: para além de Evo Morales"
Quando:
29 de maio, às 20h
Onde: Sala de Arte do MAM-Ba
Direção: Ricardo Sangiovanni e Vítor Rocha
Realização: Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (CULT)
Co-produção: Instituto de Radiodifusão da Bahia (Irdeb)
Apoio: Red Unitas
Duração: 52"

Sinopse
As pinceladas em aquarela do artista plástico José Rodríguez Sánchez mostram o caminho por onde passa a revolução cultural instalada na Bolívia pelo movimento cocalero e diversos segmentos da sociedade que apóiam a ascensão do primeiro presidente de origem indígena da América Latina, Evo Morales. Um processo que deságua num governo de esquerda, contrariando setores mais ricos da sociedade, desacostumados com o distanciamento do poder.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Nasce o curta


Trazemos novidades frescas direto dos bastidores do Projeto Bolívia. No último mês, em meio ao processo de decupagem das fitas e montagem do documentário, surgiu um curta. A mina de um povo, formato 5 minutos. Uma breve abordagem sobre o movimento dos mineiros, uma das bases econômicas do estado boliviano, com imagens capturadas em Oruro, na mina de Huanuni, a primeira a ser nacionalizada pelo governo Evo Morales. O vídeo foi exibido terça-feira (11), em Salvador, na primeira noite do Festival Nacional de Imagem em 5 minutos.

A mina... mostra como são abertas as galerias subterrâneas para extrair estanho, metal que junto com o ouro e o zinco representa a maior exportação da Bolívia depois do gás natural. O governo boliviano arrecadou US$ 45,5 milhões em impostos sobre mineração em 2006. As cooperativas contribuíram com US$ 18,6 milhões. Como meta para 2007, Morales propôs aumento das tarifas com o intuito de engordar a receita do governo em até US$ 300 milhões. Cifras exclusivas da extração e venda de minério.

Nas imagens, destaque para o ambiente sombrio e insalubre, contrastando com a força do trabalhador das minas. Não só uma resistência física, mas ideológica. O vídeo mostra como os mineiros estão articulados com a política de nacionalização. Por mais de 300 anos, a Bolívia foi o segundo país de maior peso no fornecimento de prata no mundo. Apesar da abundância natural, pouco foi revertido em benefícios que garantissem o fortalecimento da nação. Considerado o mais pobre da América Latina, a Bolívia durante anos esteve enlaçada com governos que privilegiaram o manejo de recursos privatizados perante a expressão do Estado. Com o governo Morales, os mineiros de Huanuni acreditam que a Bolívia aponta para um novo rumo. Feito despertado por uma liderança de origem indígena, pela primeira vez, a frente das decisões. Fala-se em desenvolvimento econômico e perspectivas de melhorias na condição de vida do boliviano.

Destaque também para o uso da folha de coca, a planta mãe da Bolívia. Armazenada no canto da boca, em bolos que fazem saltar as bochechas, a coca mascada funcionada como filtro para diminuir o impacto das impurezas da extração dos metais, que vindos das entranhas da terra caem direto no organismo dos mineiros. Alguns chegam a considerar o uso da coca mais importante que as máscaras de ventilação. É o sustento da mina.

Trilha sonora? Optamos pelo som ambiente. O maquinário e as ferramentas têm muito a dizer. A você, caro espectador, sugerimos que prepare o ouvido para dialogar com a mina. Mantenha os olhos abertos para conhecer o Tío. E lembre-se: não pisque, o vídeo é curto.

A mina... marca também a estréia de um novo integrante da equipe – Pedro Santana, que chega para somar forças no processo de montagem e edição. Roteiro de Vítor Rocha, com pesquisa de Ricardo Sangiovanni. Imagens Mateus Damasceno, áudio Lucas Santana. Tássia Novaes, na produção.

Na última terça-feira, estivemos na sala Walter da Silveira, local onde estão sendo exibidos os vídeos que fazem parte da mostra competitiva do festival. São 50 inscritos, divididos em uma grade de projeção que só termina sábado. A mina de um povo foi o quinto da noite. Outros sete foram exibidos posteriormente. Ouvimos aplausos, um bom motivo para nos encher de ânimo e seguir adiante na finalização do documentário.

Mais:

Confira a programação do festival
A mina de um povo na mídia
Rotação 5' indica A mina de um povo como diferencial da 1ª noite do festival

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

O blog dá uma parada; mas o trabalho continua...


Caros leitores,

Estamos de volta ao Brasil, desde o último dia 14 de setembro. Após 40 dias em solo boliviano - período em que nos ocupamos de recolher imagens, em vídeo e foto, obter noticiários de TV e periódicos locais e contactar fontes diretamente envolvidas com o processo político (de ambos os lados e de diversas tendências) - o trabalho entra agora em uma nova fase, de decupagem e triagem desse material. Em paralelo, a equipe se empenha em dar um contorno final ao roteiro e buscar novos parceiros, para continuar viabilizando uma realização de alto nível.

A Bolívia, muito além da figura do presidente Evo Morales, passa por um processo de retomada de sua soberania, em que seu povo - historicamente explorado e cuja maioria ainda vive em condições precárias - se auto-reconhece e reafirma valores e cultura, e se organiza politicamente para tomar, dialogar, manter e cobrar do poder.

As medidas de nacionalização dos recursos naturais, regulamentação e organização da produção da folha de coca e implementação de uma assembléia constituinte, muito longe de arroubos de autoritarismo, foram nada menos que o cumprimento da agenda social que elegeu o presidente e que justifica sua estada no Palácio Quemado.

É impressionante o grau de informação e interesse por política da população boliviana hoje, sobretudo por parte das pessoas mais humildes - motoristas de taxi, cocaleros, pequenos comerciantes. Não são estúpidos ou ingênuos. Se engana é quem pensa que é só gente ignorante sendo enganada. É bom lembrar que, antes de Morales, a Bolívia depôs, nas ruas, dois presidentes, por não cumprirem tal agenda. Um deles desde 2003 vive em Miami e tem status de persona non grata em seu próprio país. Quem manda?

Da estada na Bolívia, já sentimos uma grande saudade. Do espanhol com acento boliviano, que já nos soava tão familiar; do convívio com o povo, quase sempre disposto a uma conversa à moda latina, tão consciente de tantos problemas, ao passo que tão cheio de camaradagem e bom-humor; de tantas experiências novas - dos contrastes urbanos entre o centro e a periferia, da amazônia e do altiplano exuberantes. E saudade sobretudo do convívio e da solidariedade entre os membros do nosso time, que sobreviveu ao desafio mais complicado que é conviver em grupo. Tanto melhor é quando grandes trabalhos produzem e fortalecem tão boas amizades.

Agradecemos aos nossos apoiadores - UFBA, IRDEB e Red Unitas - e a vocês, leitores do blog, cujo apoio foi o ânimo que fez a primeira fase do trabalho sair melhor que a encomenda. O blog dá uma parada, mas o trabalho continua.

Um filme bonito vem por aí.

Lucas, Ricardo, Mateus, Vítor e Tássia [exatamente na ordem da foto].

*corrigido às 14h53 do dia 25/9

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Paceña


La Paz em 30 de agosto

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

sábado, 8 de setembro de 2007

Catadores de luz

Uma base de ferro puxada por um cabo de aço nos conduziu em um plano inclinado até o boca mina, local onde os trabalhadores ingressam no morro para procurar minério. Sob nossos pés, a segunda maior extração de estanho do mundo. Um panorama industrial e uma multidão de trabalhadores contrastam com a alta dose de precariedade no local. Chegamos para conhecer um dia de trabalho dos mineiros de Huanuni, primeira mina a ser nacionalizada pelo governo de Evo Morales.

Capacete marrom, macacão azul, luz na testa, cinturão e bota compunham nosso vestuário de segurança para uma jornada de 7 horas dentro do mundo da mineração. Uma das entradas é por um corredor onde carris guiam o caminho de mini vagões transportadores de carga. A cada passagem da locomotiva, somos obrigados a encostar na parede de rocha irregular.

Antes de qualquer atividade subterrânea, os mineiros fazem uma espécie de devoção ao Tío, o santo protetor do interior mina. A figura é exótica, com cara de capeta, pele vermelha e um par de chifres. Reza a lenda que foi um dos melhores extratores de mineral da história e por isso virou santidade. Para ele não faltam oferendas, como fetos de lhama, cigarros acessos e folhas de coca, mascadas ou em formato natural. Se um mineiro necessita de um fumo, pode até pegar unzinho emprestado do Tío, mas ai dele não devolver no outro dia.

Depois de resguardado pelo "diabo divino", o trabalhador segue para seu posto de trabalho. A escuridão dos corredores só é quebrada pelo foco de luz da pequena lâmpada presa ao capacete.

Nos corredores em exploração, quartinhos abrigam o picheo (lê-se pitcheo) dos mineiros. "Impossível trabalhar sem mascar a folha de coca”, justifica um trabalhador sentado em uma tábua em meio ao ar rarefeito e a uma umidade sufocante. Ali portam uma sacola verde cheia da hoja. Uma por uma, cada folha é levada à boca depois de ter seu talo tirado com habilidade. O ritual se completa com a mastigação e o armazenamento da massa salivada numa das bochechas.

A folha de coca é sagrada para os mineiros. Dizem que ela serve de filtro e protege os pulmões da poeira produzida pela mina. Além disso, é estimulante mais forte que o café e garante até 8 horas de trabalho sem ingestão de alimentos.

Com a boca cheia eles partem para sua atividade diária. O trabalhador mais importante da mina é o perfurista. Conhecemos um desses. O sujeito porta uma espécie de britadeira com braço hidráulico e utiliza sua força para fazer pressão ante a parede de pedra. Fica por três horas seguidas suportando o trepidar e o ruído insuportável do maquinário. Depois paga o esforço com problemas renais e ortopédicos. Experimentei por alguns minutos o ofício e percebi a dureza do cara que faz a mina andar pra frente. Sem ele, nem um grama de estanho sai das paredes dos corredores de pedra.

Ainda existe o trabalho manual com martelo e cravo, mais especializado, no entanto igualmente sufocante. Todos sacam mineral para os transportistas levarem para o engenho, onde é separado da rocha.

Da severidade da vida na mina, esses trabalhadores desenvolveram uma filosofia sindical sólida e capaz de realizar a Revolução de 1952 na Bolívia. Mas, em 1985, a demissão de mais de 20 mil mineiros da Comibol (empresa estatal exploradora do solo) e o processo de privatização das jazidas levou os trabalhadores à desmobilização. Mas hoje tentam conquistar espaço político novamente e chegar até a luz indicadora do final da mina para sentir os raios da liberdade.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

A capital, quem leva?

Um dos impasses na agenda de debate da Assembléia Constituinte refere-se à capital do País. Atualmente a sede dos poderes executivo e legislativo é La Paz, mas a capital constitucional da Bolívia é Sucre. A divisão foi feita em 1899 durante uma guerra civil entre os próprios bolivianos.

Com mais de 2,3 milhões de habitantes, La Paz é a capital administrativa, sede do governo com o Palácio Quemado, onde entrevistamos o presidente Evo Morales. A geografia bastante acidentada é um detalhe que salta aos olhos assim que se chega à cidade. São milhares de casas e prédios erguidos em paredões rochosos. No fim do dia, com o cair do sol, a cidade é invadida por uma luz dourada, enquanto o monte Illimani [foto acima, ao fundo, coberto de neve], com 6,402 metros de altura, permanece inalcançável atrás das montanhas paceñas.

Na parte sul da Bolívia está Sucre, sede da Suprema Corte de Justiça, uma cidade relativamente pequena com pouco mais de 230 mil habitantes. Considerada Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), Sucre também é conhecida como Cidade Branca devido aos diversos casarões coloniais de faixada clara.

As duas cidades encabeçam na Constituinte proposta de capitalidade plena, termo que significa reconhecer apenas uma das cidades como capital e sede dos três poderes. A questão é que nenhuma das duas quer sair de mãos vazias. O tema motiviou divisão entre os constituintes de La Paz e Chuquisaca, departamento qual Sucre é capital, até que no último dia 15 de agosto a direção da Constituinte, a pedido de representantes do MAS, aprovou a eliminação do debate sobre a capital. A medida teve o apoio de 134 dos 211 constituintes presentes no plenário.

Desde então todas as atividades da Comissão da Constituinte estão paralisadas. A situação voltaria ao normal hoje, mas as sessões voltaram a ser suspendidas devido a um confronto entre policiais e manifestantes.

Em meio as pressões políticas, o governador do departamento de Chuquicasa, David Sánchez (MAS)renunciou o cargo com o argumento que não gostaria de ser responsável pelo enfrentamento de manifestantes e a polícia especialmente no próximo dia 10 de setembro, dia em que está programado uma marcha campesina com mais de 100 mil pessoas.



Em nossa passagem por Sucre [22 a 26 de agosto], encontramos mais de 600 pessoas em greve de fome, uma espécie de ação refratária à hipótese de perder a capitalidade. A foto ao lado foi tirada no Salão Vermelho de Honras da Prefeitura. No cartaz, "Sucre de pé, nunca de joelhos".

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

O homem é do povo


“Sua excelência senhor presidente está chegando”. Depois de armarmos o set de filmagem numa sala do Palacio Quemado, foi assim que um segurança informou a chegada pontual de Evo Morales. Ele se apresentou com sorriso tímido, camisa branca e o típico casaco preto com listras coloridas.

Apertou a mão de todos e antes de se sentar na cadeira ao lado da bandeira boliviana, fez piada com nosso amigo Lucas. “Esse é o africano do grupo. Só porque é o mais moreno faz o trabalho duro”, brincou pelo fato de Lucas cumprir a tarefa de segurar a haste do microfone.

Para a produção do documentário nos interessava falar da história de Evo até chegar à cadeira mais cobiçada da república, de como articulou o movimento cocalero com todos os outros movimentos sociais do país e de como se posicionava frente à forte oposição da direita. “Nosso maior inimigo atual são os grandes meios de comunicação”, definiu sem rodeios.

E não precisa ser ele a dizer isso. Assistindo aos telejornais das grandes redes, percebe-se uma campanha sistemática contra o governo e contra o processo de transformação exigido pelos movimentos sociais. Os diários impresos também nao ficam pra trás e quase sempre editorializam a cobertura política, esquecendo da informação factual.

Evo falou ainda da luta cocalera e de como os movimentos organizados se fortaleceram num processo de reação às políticas de neoliberiais dos governos anteriores. Falava do mal papel norte-americano enquanto relaxava os ombros e deixava os braços cairem no contorno lateral da cadeira. Reclamava do protocolo e da segurança que tinha que se submeter enquanto enfregava uma mão na outra e as guardava entre as pernas.

Apesar do cansaço aparente (enfrentou o maior Paro Cívico do país no dia anterior), em poucas ocasioes desviou os olhos dos meus. Visão firme, falava sem capas e sem esconderijo. Uma entrevista franca, mas sem palavras excessivas, cuidado natural de um chefe de estado acostumado a ser qualificado de "índio incompetente".

O tom intimista foi uma constante e a impressão mais forte é de que estávamos diante de um homem simples, real representante das classes populares: um homem do povo. Ele despreza as técnicas comunicativas utilizadas pela maioria dos habitantes do campo político e fala com naturalidade.

As suas origens de pastor de lhamas, quando criança, e de campesino cocalero, já adulto, não ficaram, ao menos aparentemente, do lado de fora do palácio presidencial. Numa tentativa definir sua própria representação nacional, ele emendou. “Os movimentos sociais são muito mais importantes que Evo Morales”.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Exclusivo!



Entrevista com o presidente Evo Morales. Essa é outra cena do filme que você nao pode perder. Gravada hoje no Palácio Quemado em La Paz.

sábado, 25 de agosto de 2007

A periferia se mobiliza


Por Vítor Rocha

A cidade de Cochabamba é cercada por morros áridos, muitos deles povoados por casas sem reboco. Da praça 14 de Setembro, referência onde está localizada a sede do governo departamental (Prefectura), pode-se ver os morros em ângulo de 360º. Como no Brasil, são as regiões relegadas aos pobres e migrantes. São locais com precária infra-estrutura urbana, esquecidos pelo poder público e endereço de meio milhão de pessoas apenas em Cochabamba.

Inúmeras famílias saíram em penitência da região do Altiplano, a partir de 1980, agredidas pelas secas e baixas extremas de temperatura provocadas pelo El Niño. Mais de 70% das plantações e 50% dos animais desapareceram. Muitas famílias foram para as periferias das grandes cidades, outras tantas para Santa Cruz e ainda muitas para a região amazônica do Chapare, destino do pai de Evo Morales depois de perder quase todo seu rebanho de lhamas.

Na segunda passagem por Cochabamba conhecemos um desses morros. Fomos guiados por um migrante e agente de uma Missão de Jesuítas. Fomos numa caminhonete emprestada pelos padres para enfrentar um caminho coberto por poeira fina e agressiva aos pulmões. Chegamos de carro, mas os moradores do local usam os coloridos e divertidos miniônibus Dodge, uns dos tantos meios de transporte público da cidade. Pelo menos isso chega por lá.


Mas falta água encanada, energia elétrica, assistência à saúde, escolas. Esgotamento sanitário nem se fala. No meio de tantas necessidades, um poder organizativo muito forte pode ser encontrado. Os vecinos formam grupos para tentar resolver os problemas locais. São diversos níveis organizativos. Os mais avançados são as Organizações Territoriais de Base, as famosas OTBs. Elas são oficializadas e, apesar de não pegarem em dinheiro, viabilizam obras públicas nos bairros.

As OTBs são resultados das Juntas Vecinais, organismos populares organizados pelo espírito de luta dos moradores dos morros. Têm ainda os Comitês da Água e as diversas Juntas de cada setor social. Sobra organização social e falta assistência. Essa equação desigual faz a população de baixa renda lutar com todas as forças pela transformação do país.

O nível de politização dos bolivianos é notável. Na nossa passagem por Loma de Santa Bárbara tínhamos a intenção de entrevistar lideranças locais. Fomos nas casas de vários deles e todos estavam fora. Um morador sentiu nossa presença estranha e se acercou.

Depois de alguns papos, resolvemos entrevista-lo. A cidade coberta por uma nuvem de pó compunha o pano de fundo. Crianças brincavam num parquinho improvisado, cachorros dormiam quase mortos em processo de hibernação sob o sol forte, um tanque de água vazio formava o cenário e sobretudo o silêncio fazia o esquecimento ainda mais notável.

José quebrava o silêncio e falava com desenvoltura para a câmera. Exprimia argumentação invejável para relatar o abandono, a falta e a força. Disse que no 11 de janeiro, quando marchas pró e contra Evo tomaram as ruas da cidade e se enfrentaram para um saldo de três mortes (dois campesinos de um lado e um estudante de classe média do outro), políticos locais tentaram cooptar os vecinos para não descerem os morros em apoio ao presidente. “Colocaram até uns postes com fios. Prometiam energia elétrica e pediam para que ficássemos em casa. Mas não, todos baixamos”.

Perguntei o porquê da atitude e ele logo deixou claro. “Evo Morales é como um irmão para nossa gente e temos a obrigação de defender seu governo popular. Não podemos perder nossa chance”.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Rio Santa Rosa


Ainda no Chapare. Hoje, por volta das 3h da tarde

A folha de coca

Ontem, em um cocal. Fosse você, nao perderia essa cena do filme. Aguarde!

Latinidad

É conhecida a vocação do latino para a autogestão de servicos públicos na ausência de um poder regulador impessoal. Após entrevista com o alcalde (prefeito) de Shinahota, decidimos tomar um táxi de volta a Villa Tunari, nossa base na controversa província do Chapare.

Recomendações nos levaram a uma espécie de terminal de táxis onde diversos tipos bonachoes esperavam clientes para fechar suas luxuosas (sic) lotações. Preco: 5 bolivianos por pessoa, cerca de R$ 1,50. Tássia, Mateus, eu e Vítor lotamos o carro e aguardamos a partida. Que nao aconteceu: nos cálculos do chofer, faltaria mais um'alma, que de pronto se ofereceu a dividir o banco do carona com nossa fotógrafa. Nos recusamos ao aperto com um desconhecido de mochila, atravessamos a rua e esperamos uma conducao dentre as inúmeras que cruzavam nossos olhos.

O olhar atento dos colegas fazia a todos recusar a corrida. A fonte donde beberíamos nosso retorno era taxativa. Famintos, mas briosos, nao demos o braco a torcer. Negociamos com uma van mais afastada, e logramos cinco pesitos por persona. Resolvido.

Mas nosso salvador parecia nervoso, dizendo-se com medo de ser pinchado pelo caminho. Levou 5 minutos até entendermos que seu receio nao era de ter um pneu furado na calada da noite, mas ali mesmo, ao vivo, no meio da estrada. Taxistas revoltados com a quebra de decoro estenderam uma plancha enorme e cheia de pregos no meio da rodovia, obrigando-nos a encostar. O motorista desceu desenxabido para o tribunal.

Seguiu-se uma discussao menos acalourada que o esperado, ao fim da qual fomos autorizados a proceder. Mas pela última vez: ele era de um sindicato diferente, autorizado a percorrer outro trecho da carretera, e fora pego em atitude claramente desrespeitosa com os locais.
A fiscalizacao foi eficiente, e ainda benévola com o infrator.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Evo Morales no Chapare

Villa Tunari, no último domingo. Dessa vez encontramos o presidente sem a pompa do desfile militar em discurso carismático para cerca de 200 pessoas que vivem nessa pacata vila do Chapare, regiao onde nasceu o movimento cocalero, uma das bases que levou Evo Morales a presidência da Bolivia. O presidente assistiu duas partidas de futebol do campeonato universitário e oficializou a entrega de 53 tonelas de asfalto para a regiao.

Falou sobre um acordo de cooperaçao com o Brasil para funcionamento de uma fábrica de papel e um outro acordo com médicos cubanos para implantaçao de um centro oftalmológico para os habitantes da regiao.

Não se estendeu com assuntos políticos e fez questão de cumprimentar todos que vieram ao seu encontro. As mulheres que trabalham no mercado de Villa Tunari ofertaram como saudação de boas-vindas um enfeite feito com verduras, hortaliças e frutas.


A caminho do Chapare

São 160 quilômetros de Cochabamba a Villa Tunari. A estrada é sinuosa e quase não há sinalização tampouco acostamento. Em poucos quilômetros é possível atingir cerca de 3.200 metros de altitude. Em alguns trechos da estrada as nuvens ficam tão perto que dá a sensação que falta pouco para tocar o céu. Logo em seguida desce para 280 metros exatamente quando se chega a Villa Tunari.



segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Em breve, no ar...

Ontem pegamos a estrada rumo ao nosso terceiro destino: Villa Tunari, uma cidade do Chapare, a região cocalera da Bolívia, onde encontramos, mais uma vez, o presidente Evo Morales. Deixamos para trás as montanhas áridas de Cochabamba e agora estamos inseridos na diversidade do Trópico boliviano, onde predominam as fazendas de coca, além de uma diversidade de frutas citricas e cerca de 120 tipos de batatas. Logo-logo postaremos as novidades, aguardem!

Los niños 3

Um pouco mais das crianças bolivianas, só para nao perder o hábito e também por levar em conta a satisfaçao de ler os comentários de vocês. Tirada sábado em Cochabamba.

Sem desgrudar


Essa é uma imagem repetida aqui no blog. Já passaram mais de 15 dias que desembarcamos na Bolívia e, mesmo assim, sempre me prende atenção quando vejo as mulheres com o filho nas costas. São as mulheres de origem indígena e esse pano colorido chama aguayo.

O bebê fica aí dentro no maior conforto. O dia todo junto com a mãe pra cima e pra baixo. Mercado, ônibus, praça. As que trabalham como ambulante vendendo suco de laranja ou qualquer outra coisa na rua também levam o filho nas costas.

Raramente ouço algum tipo de choro e muitas vezes vejo as mães ninando o bebê com o leve movimento de inclinar os ombros para o lado em contínuo vaivém.

Mas "mordomia" dura só até os cinco anos de idade. A partir daí, creio eu, não tem mãe que aguente carregar o rebento nas costas por mais que haja amor. Na foto ao lado, o chiquito saboreia uma mamadeira de chá de coca, outra peculiaridade da Bolívia.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Plaza 14 de Septiembre

Centro de Cochabamba, hoje às 15h

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Los niños 2

Distrito 8, periferia de Cochabamba. Ontem, por volta das 10h da manhã


¿Roubo?

Direto de Cochabamba - No centro da cidade, caminhando de volta ao alojamento, percebo uma puxadela em minha mochila. Viro indignado, e dou de cara com um moleque de uns quinze anos que tentava me abrir a sacola com muito pouca cerimônia. Pego no flagra, o menino nao saiu correndo. Levou as maozinhas sujas à cabeça embonezada e gritou repetidas vezes, desesperado: "No te robé nada!" Cerquei-o por uns instantes, mas deixei-o passar.
Ao final, duas canetas no chão e um instantâneo da violência local. Incipiente, mas ainda chega lá (vocês sabem onde). A depender do crescimento urbano desordenado em direçao ao sul da ciudad, em breve a miséria dará seu grito, e nao será de desculpas. Nem estarao as maos vazias.

A Globo, direto da Pampa

Transplantado de uma beira de estrada do interior da Bahia diretamente para os arredores de Santa Cruz de la Sierra - a cidade mais rica da Bolívia -, o humilde distrito de Pampa de la Isla comemorou seu não-sei-quantésimo aniversário no domingo passado. Santa Cruz é uma cidade metida a moderninha, urbana-emergente, mas o pessoal da Pampa ainda conserva sua simplicidade tímida, típica de que vem lá do sertão e pode não agradar. Por lá, como nos bares chiques da cidade, também se escuta "reaggaeton", uma aporrinhante batida portorriquenha. Com a diferença de que as ruas são de barro e as casas de tijolo à mostra, como o lixo na porta.

Como bom sertanejo, o povo recebeu e aplaudiu, empolgado, a umas boas duas horas de discursos de gente importante e engravatada. Em cada fala, cupinchas da administração e do empresariado local não perdiam a oportunidade de malhar um pouquinho o governo de Evo Morales e pregar um discurso separatista de autonomia. No fim, do próprio prefeito, promessas de um novo hospital para o vosso-reino, em troca de aplausos, sorrisos e mais todo aquele venha-a-nós. Conservando o costume antigo do sertão, em Santa Cruz o povo ainda diz amém.

Disfraçados de jornalistas, suamos para conseguir entrevistar a presidente do Comitê Cívico pró-Santa Cruz. Os tais comitês existem em cada uma das 9 províncias bolivianas e são o ajuntamento de diversas organizaçoes da cidade (inclusive a prefeitura e o governo da Província!), sob a batuta de latifundiários e empresários da região. Na hora negociar com o presidente, são eles - que nunca receberam um único voto - que sentam na mesa. E a transformam em balcão, e exigem o que bem entendem.

O chato do assessor nos concedeu cinco minutos com a distinta senhora. Anotou nossos nomes, botou uma banca de importante, disse que andava tendo problemas com entrevistas de estudantes, aquela coisa.

E eis que, caminhando, já de partida, escutamos no microfone: "Vamos saudar a equipe da Globo, de Brasil, que também está aqui fazendo umas imagens, vendo como se faz festa na Pampa."

Do palanque, dondocas nos olhavam, e pela primeira vez abriam sorrisinhos. E o povo, incauto, disse amém mais uma vez. Fomos embora, porque já era meio-dia e sol do sertão vocês sabem bem como é.

Clássico cruceño

Faz três dias que estamos de volta a Cochabamba. Chegamos terça-feira de manhã após encarar oito horas de ônibus. São 480 quilômetros de distância e a estrada não é das melhores embora tenha pedágio no meio do caminho. Devido ao precário estado de conservação da rodovia e dos veículos que circulam por aqui, acidentes fatais são comuns. Há uma semana, dois ônibus bateram. Mais de 30 pessoas morreram. E na viagem de ida cruzamos de madrugada com uma carreta tombada. Há uma nova estrada sendo construída - El Sillar.

Mas antes de contar as novidades cochabambinas vou voltar um pouco no tempo. No último domingo teve baba lá em Santa Cruz. Nós, é claro, fomos conferir o clássico cruceño: Blooming 2 x 1 Oriente Petrolero.

Não vou nem tecer comentários sobre a qualidade futebolísca dos cruceños. Aliás, o campo de futebol foi o lugar para onde menos olhei durante a partida. A pauta do dia tava ali cravada em cada milímetro da arquibancada do estádio Tahuichi. No meio do gramado, bem no grande círculo: Autonomia. Nas paredes dentro e fora do estádio: Autonomia. Nas bandeiras da torcida: Autonomia. Nas camisetas dos torcedores: Autonomia.

Política a parte, deixo aqui mais um registro: é complicado comer na Bolívia. Falo de falta de higiene. Muitas vezes, os alimentos são colocados a venda em recipientes sujos. Já tivemos o prazer de encontrar cabelo na comida mais de uma vez. É comum ver o vendedor pegar o troco do dinheiro com a mesma mão que corta a fruta do suco. Sem nem lavar, sem nem utilizar uma luva. Ou então poe o pesão em cima da bandeja de sanduiche depois sai para vender em plena partida de futebol como se nada tivesse acontecido. Sem falar que a base da comida típica bolivana é ovo, carne e pollo [frango]. Pollo caprichado em gordura para todos os lados. Isso quando não é dia de panza, uma espécie de bucho a milanesa, já citada aqui no blog pelo companheiro Sangiovanni.

domingo, 12 de agosto de 2007

Los niños


Desfile de comemoração ao 47º aniversário de Pampa de la Isla, um bairro periférico localizado a 30 minutos do centro de Santa Cruz. Ontem, por volta das 10h da manhã.


sábado, 11 de agosto de 2007

O preço da curiosidade e o mistério do planeta


Leitores, amigos e leitores-amigos: já se vai uma semana que estamos aqui. Pouco tempo para avaliar o trabalho (que gostaria que fosse analisado mais sob o filtro da crítica que do ineditismo, mas vocês é quem mandam), mas tempo suficiente para confirmar uma nossa hipótese antiga: o preço da curiosidade pode ser bem barato.

Antes de duvidar, vejam a tabelinha, por pessoa. É estimulante:

Hospedagem (com café da manhã incluso): 50 bolivianos/dia = aprox. 13 reais
Alimentação: em média 40 bolivianos/dia = aprox. 10 reais
Táxi para qualquer lugar da cidade: 10 bolivianos = aprox. 2,50 reais
Telefone a vontade por uma semana: 80 bolivianos = aprox. 20 reais
Contato com as fontes (só para jornalistas): ainda é de graça.

Façam a soma aí para ver que sobra dinheiro para comprar jornal, tomar café e cerveja. Posso dizer que até agora não economizei em nada (teve dia que comprei exemplares de todos os jornais da banca por caríssimos 25 bolivianos... ou míseros 6,50 reais!). No total, a semana deve ter saído por uns 200 reais. Desafio quem me mande, daí, um orçamento mais barato. Como bom Ricardo: cubro qualquer oferta!

Claro que nossa curiosidade, se livre da força da grana, talvez nos levasse a lugares bem mais caros. E talvez por isso mesmo inviáveis. Mas, se alguma audácia há nesta iniciativa, financeira é que ela certamente não é.

O que me admira não é a ponta de coragem que temos (não contem para ninguém, mas estar aqui é uma soma de vários medos... de não dar nada certo, do avião cair, de o ônibus virar, de 12 mil homens armados sairem de não-sei-onde e declararem guerra civil, de ter dor de barriga comendo panza empanada, de nos tornarmos, dentro de um mês e pouco mais, os mais novos heróis-desempregados da Bahia).

O que me admira é que pareçamos sempre assim tão "inéditos", mas que o que até nós achamos barato pareça sempre muito caro, embora sejamos tão caros a tanta gente. Ora, pessoal, não somos novos baianos, senão mais uns baianos novos. Muito metidos a retados, é verdade. Mas por que não?

A propósito, dos Novos Baianos de verdade:

"Vou mostrando como sou
e vou sendo como posso
jogando meu corpo no mundo
andando por todos os cantos
e pela lei natural dos encontros
eu deixo e recebo um tanto
e passo aos olho nus
ou vestidos de lunetas
passado, presente
participo sendo
o mistério do planeta"

A música se chama O mistério do planeta.

O sotaque conta a favor


Chegamos em Santa Cruz de la Sierra em uma madrugada fria, depois de uma viagem noturna desde Cochabamba. Nos abrigamos num hostel e de manhã mesmo acompanhamos o desfile cruceño em comemoração ao 182º aniversário de independência do país.

Autoridades municipais, departamentais, escolares, movimentos civis organizados marchavam sob um sol forte. Com as câmeras na mão, começamos o registro. Nosso amigo Lucas tirava algumas fotos e dois sujeitos se perguntavam quem era aquela figura de barbas e cabelos compridos.

- Será cubano? Indagou um.

- Está mais para venezuelano, concluiu o outro.

Depois dos cochichos em pé de ouvido, um resolveu tirar a dúvida:

- Oi amigo, você vem de onde?

- Do Brasil, sou brasileiro.

A resposta de Lucas deixou o sujeito tranquilo e confortável para arriscar um conselho:

- Olha filho, cuidado com os cubanos e venezuelanos, eles estão por toda a parte e são perigosos.

Abordagens como essa têm sido constantes. São resultados da efervescência política nacional.

Dizem que tropas venezuelanas e cubanas estão no país. Mas o que vi mesmo foram médicos da ilha.

Eles foram enviados ao país para a Missão Milagre, como forma de melhorar o acesso dos pobres à medicina. Nós, inclusive, utilizamos um dos postos de saúde.

Nosso cinegrafista Mateus teve um probleminha no olho direito e fomos encaminhados a um posto especializado em oftalmologia. É uma das poucas opções de atendimento médico gratuito, em uma cidade com muitas clínicas particulares.

Depois de um atendimento imediato e ágil, uma cubana o receitou um colírio. Algumas gotinhas e tudo está bem. Já imaginou nosso câmera com um olho prejudicado?

Venezuelanos ainda não encontrei nenhum. Vou continuar procurando. Vou continuar também com o sotaque. Nessas horas, ser brasileiro alivia um pouco a barra.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Pela autonomia II

Na curta estada de cinco dias em Santa Cruz de la Sierra, já ouvi coisas das mais diversas sobre o local.

Um senhor, por exemplo, tentou me convencer de que eu não estava na Bolívia, mesmo com o nome do país carimbado no meu passaporte. "Estamos numa Nação Camba, a Bolívia fica de Chochabamba para lá, nas regiões andinas e do altiplano". Ele recorreu a argumentos raciais, sociológicos e econômicos para contradizer o tal carimbo.

Um outro, este um cantor muito popular por aqui, conhecedor da diversidade boliviana, disse que eu estava na Bolívia, ainda que em uma Bolívia diversa dos steps mais elevados.

Um vereador e ex-guerrilheiro também identifica a diferença étnica e cultural do departamento em relação às regiões andinas, mas enxerga um país diverso porém unido. "Os imperialistas influenciam setores da elite a buscarem o separatismo. Querem desestabilizar o país para enfraquecê-lo. É o separar para dominar".

Todos eles são pela autonomia do estado em relação ao país, em graus e formatos diferentes.

O primeiro propõe a criação de um outro país. O segundo, uma autonomia federalista, coisa parecida com a idéia do terceiro, que busca modificações mais administrativas do que ideológicas.

Enquanto eu sigo com meu passaporte carimbado "Republica de Bolivia".

Bastidores


Vítor, Mateus e Lucas na Universidad Autonóma Grabriel René Moreno, a única estatal de Santa Cruz. Há outras cinco universidades privadas na cidade. Ao invés de incentivar e investir no ensino público, o próprio governo local faz campanha para que os crucenhos dêem privilégio às universidades particulares. Alegam melhor infra-estrutura e também corpo docente mais qualificado. Essa é uma das bandeiras pela autonomia.

Pela autonomia

Calle Independencia, Centro de Santa Cruz

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Os indígenas na Parada Militar

O ato era oficioso, com toda a pompa de desfiles das Forças Armadas comuns aos dias de independência. No entanto, um colorido diferente tomou conta da festa. Com a instrução de Evo Morales, comandantes convidaram os povos originários da Bolívia a marchar lado a lado com os regimentos do exército, da marinha e da aeronáutica.

Às 9h45 da manhã, pontualmente no horário previsto, um avião baixou do céu e pisou o solo do aeroporto militar de Trompillo. Minutos seguintes, um carro aberto transportou o presidente em desfile. Ele exibia um sorriso aberto para os olhares e aplausos vibrantes de uma multidão espremida. Crianças dormiam ou choravam, inconscientes da importância da presença naquele lugar, naquele momento. Jovens e velhos buscavam acento. Mulheres pediam para os soldados saírem da frente e facilitarem a visão.

Logo depois de Evo acenar com retida simpatia, os indígenas começaram seu desfile. Pés descalços seguiam a cadência da marcha e caminhavam ao lado de coturnos bem postados e disciplinados. Podia-se ver o arrepio nos braços de alguns soldados, quando uma senhora ou simplesmente uma criança com roupas típicas portavam a bandeira nacional e dividiam o orgulho de serem simplesmente bolivianos. As diferenças entre Collas, Cambas, ou qualquer identidade étnica que exista ou venha a existir na Bolívia, caiam por terra quando indígenas, cocaleros, sindicalista, testemunhas de Jeová, militares, todos marchavam por um país unido.

Para muitos foi uma demonstração de invasão dos povos ocidentais em território oriental. Os dois lados formam duas Bolívias diferentes. Peleas faziam parte da previsão dos jornais, ávidos por confrontos e oportunidade para impressão de manchetes sensacionalistas. Certamente venderiam mais unidades quanto mais sangue sujasse as ruas. Mas um discurso conciliador de Evo e um comportamento civilizado de todos os setores garantiram o que se tornou muito mais do que o aniversário de 182 anos das Forças Armadas. Presenciamos a consolidação democrática do poder popular.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Evo Morales pela unificação da pátria

"Recebemos aqui nossos irmãos indigenas. Passamos muito tempo sem conhece-los. Agora lutamos juntos para manter a Bolivia unida e, assim, vamos construir um pais forte e desenvolvido". Evo Morales, em discurso durante o 182° aniversario das Forças Armadas bolivianas, uma marcha militar realizada no aeroporto Trompillo, em Santa Cruz, que, pela primeira vez, contou com participaçao dos povos indigenas de nove departamentos (estados) bolivianos.

Cerca de 62% da população boliviana é indígena, sendo a maioria de origem quechua e aymara. De acordo com a Comissão Economica para a América Latina (Cepal), 72% dos indígenas vivem em áreas rurais e tem dificuldade de acesso a água potável, além da falta de infra-estrutura para saneamento básico, fato que contribui para uma alta taxa de mortalidade infantil, sendo considerada a mais alta da América do Sul. De descendencia indigena direta, o próprio presidente perdeu seis irmãos ainda na infância. Uma das marcas do governo Morales é o investimento em melhorias para os indigenas, a começar pelo reconhecimento étnico-cultural dos povos originários da Bolívia.




"As três cores da bandeira boliviana representam a unificação dos povos que vivem nesse país. A presença das Forças Armadas e dos povos indigenas não é uma provocação a ninguém. É apenas para que todos sejam reconhecidos", garantiu Morales.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

O clima explosivo do separatismo

Santa Cruz de la Sierra - Chegamos em Santa Cruz, a cidade economicamente mais desenvolvida da Bolívia e onde se encontra boa parte da burguesia do país. Latifundiários criadores de gado, banqueiros, famílias tradicionais e os donos dos principais meios de comunicação se concentram nesta província (estado), que leva a mesma denominação de sua capital.

Santa Cruz fica na parte leste da Bolívia e lidera um movimento de autonomia dos estados da chamada Media Luna, região ainda formada pelos estados de Tarija, Beni e Pando. Estes quatro estados, governados por políticos opositores ao governo Morales, não aceitam um indígena como líder nacional e buscam independência em relação ao poder central. Bandeiras e faixas espalhados por toda parte conclamam o separatismo.

Os opositores recorrem ao argumento de que o Morales não repassa os recursos de maneira democrática. Depois da pressão, um referendo nacional foi realizado para votar a autonomia e os bolivianos decidiram manter a nação unida. A decisão foi democrática, com o povo às urnas, mas os estados da Media Luna alegam que apenas eles próprios deveriam tomar essa decisão e, por isso, pedem novo referendo, desta vez localizado.

Basta andar pelas ruas da cidade para perceber a clara diferença racial entre a população de Cochabamba e a de Santa Cruz. Os rostos indígenas por aqui são menos constantes e os brancos formam a maioria.

A atmosfera em Santa Cruz é explosiva. Hoje é o dia da independência do país e uma marcha foi realizada pelas autoridades estaduais e municipais. No entanto, amanhã será um dia histórico para os indígenas. Eles vão participar da Parada Militar, marchando lado a lado com as Forças Armadas, depois de uma decisão tomada pelo poder central e muito representativa para as camadas populares.

O ato de Morales simboliza a participação direta dos indígenas no poder, demostrando que eles são muito mais que uma base eleitorial: eles formam a força de sustentação do governo, assegurando as políticas de nacionalização das reservas naturais e a implantação de medidas socialistas.

A situação incomoda sobremaneira os setores conservadores e, por isso, todos esperam um clima tenso durante a Parada e muitos prevêem confrontos. De qualquer mameira, estaremos por lá e logo informaremos qual foi o resultado.

domingo, 5 de agosto de 2007

Em busca da Bolívia que se reinventa

Direto de Cochabamba - A eleição de Evo Morales para a presidência da Bolívia, em dezembro de 2005, além de representar um momento de efervescência político-social muito forte – seguindo a tendência sul-americana –, clarifica uma disputa étnico-cultural singular: pela primeira vez, em 182 anos de fundação da república, um indígena chega ao poder no país.

Morales provem do movimento sindical camponês e emerge ao poder impulsionado pela organização dos setores populares formado por cocaleros e mineradores. Ele foi eleito depois de dois presidentes não conseguirem cumprir os mandatos por completo, renunciando depois de pressões dos movimentos contrários à privatização da água e do gás.

Um deles, por exemplo, Gonzalo Sáchez de Lozada, praticamente sepultou, com sua renúncia, o neoliberalismo que perdurou por 20 anos no país. Ele mal falava espanhol e saiu fugido para Miami depois de se negar a dar início ao processo de nacionalização da exploração das riquezas naturais. Seu sucesso, Carlos Mesa, também não cedeu às pressões e mal completou o mandato tampão.

Uma clara disputa ideológica marca o contexto atual da Bolívia, com elementos segregacionistas de alto teor, onde a classe média urbana propaga seus ideais burgueses através da mídia empresarial e se coloca de um lado oposto aos campesinos e mineradores indígenas. Tudo vai muito além da discussão propriamente política eleitoral e culmina em diversos conflitos em praça pública, como o 11 de janeiro, quando manifestações se encontraram nas ruas de Cochabamba e dois campesinos foram assassinados, assim como um jovem de classe média.

O conflito se estabelece num momento de reformulação do socialismo, quando o presidente Evo Morales encabeça um processo de “Revolução Cultural Democrática”.

Partir para a Bolívia agora representa, portanto, uma tentativa de observar a conjuntura que pode ser determinante não só para o futuro do país, mas para a formulação de alternativas do exercício do poder na América Latina. Certamente, um movimento necessário para se discutir a emancipação tão sonhada do continente.

Vamos tentar contar um pouco a história deste país e sua luta para se reinventar através da elaboração de uma nova Constituição, mais democrática e popular.

Em tempo, a Bolívia encanta pela sua cultura indígenas - mais de 62% dos bolivianos tem alguma raiz indígena, compondo um mosaico de 38 etnias diferente, formadas principalmente pelos aimarás e os quechuas.

Essas diferentes nações viveram sempre em posições marginais à sociedade, excluídos do processo político. Só garantiram direito a voto direto a partir de 1952, quando uma Revolução Nacional promovida por operários tomou o poder e deu início a um processo de democratização dos direitos humanos. Mas, como em todos os países da América do Sul, governos ditatoriais chegaram para travar o processo e o sonho de liberdade dos povos oprimidos, agora reestabelecido.

As cochabambinas

Hoje, às 10h da manhã, na calle Calama, centro de Cochabamba

Mercado 25 de maio

Aji de fideo, um prato típico, uma espécie de sopa feita com macarrão com carne e batatas

Nosso café da manhã

Chegamos em Cochabamba às 17h de ontem depois de passar por três aeroportos - Salvador, Guarulhos e Assunção. Cocha é cercada de montanhas. Todas altas. Nos acomodamos e à noite jantamos com três bolivianas integrantes do movimento Somos Sur. Hoje de manhã saímos cedo em busca de jornal e café da manhã.